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Home Office: Lições da minha experiência pessoal

Se um escritório não consegue funcionar à distância é porque já não funciona bem no presencial

Eu sou apoiador do trabalho remoto desde muito antes da pandemia. Eu tinha uma pequena agência de publicidade que trabalhava presencialmente, depois passamos a ir só em meio período e, no final, 100% remoto.

Podem até dizer que a equipe pequena (6 pessoas) facilitou o trabalho remoto. E é verdade. Mas não era só por isso que funcionava.

Lá naquela época a gente usava o Basecamp para a gestão das tarefas.

E ter as tarefas claras, num local organizado, onde os outros envolvidos também possam encontrar as informações é uma das melhores maneiras de ter tudo sob controle.

Ninguém precisa ficar micro gerenciando nada. Tem gestor que AMA ir passando por trás de cada colaborador olhando o que tem na tela. Como se isso fosse deixar o trabalho mais produtivo. Ao invés do próprio gestor estar fazendo algo de útil, não servindo de babá de adulto.

Eu já ouvi de vários gestores que a equipe não rende tão bem se estiver remota. Mas, na verdade, é o gestor incomodado que não pode ficar vigiando o que cada um tá fazendo.

Se cada profissional tem demandas claras, com prazos, não precisa de um vigia atrás vendo se está trabalhando. Mas aí tem outro problema. Muitos desses gestores ADORAM meter a mão no trabalho dos outros para levar o mérito. Quer mudar uma cor de um criativo, ajustar um público alvo de uma campanha, qualquer coisa para dizer que foi o responsável pelo sucesso. E, muitas vezes, nem entende da área, mas tá lá dando opinião e forçando a sua vontade ao invés de deixar a decisão na mão do profissional que foi contratado exatamente por ser especialista no assunto.

Você cria facilmente no Notion uma lista com todas as demandas, prazos, responsáveis e mais um monte de detalhes. Pode até incluir um Kanban para ver o estado das tarefas. Não precisa ficar olhando a tela dos outros.

E a cultura da empresa?

Sejamos sinceros, quantas empresas REALMENTE se preocupam com a cultura? Geralmente é só uma desculpa para ser contra o home office.

Mesmo assim, a distância física não é desculpa para não conseguir desenvolver uma cultura.

Durante a pandemia, trabalhei numa startup com gente que acabei só conhecendo bem depois de sair de lá. Mesmo assim tinha mais cultura que outras empresas 100% presenciais. E até a integração do time era bem feita com detalhes pequenos, como a Hora do Recreio. Era uma reunião semanal, de uma hora, onde todo mundo se juntava e jogava online. Lembro de jogar com eles agar.io, Don’t Starve, Among Us, vários jogos bem casuais que ajudavam muito no sentimento de equipe. Mesmo que o Among Us às vezes causasse problemas de confiança.

E não era só isso. Tinha um canal aberto de áudio no Discord que servia para “trabalharmos juntos”. Nem todo mundo entrava, mas era uma maneira de interagir.

Quando trabalhei na Backbase, eu era do time da América Latina. Acabei fazendo um longo onboarding de 8 semanas, online, mas que antes da pandemia era uma semana em Amsterdam. Onde você já conhecia muita gente da empresa, principalmente da sede.

Comecei lá logo numa viagem de uma semana para Bogotá com todo o time da América Latina. Foi uma integração imediata. Minha chefe morava em Miami e a outra colega na cidade do México, sem contar com a equipe de apoio, em Amsterdam.

Um dia essa mexicana me disse que teria uma integração no escritório da cidade dela (que tinha estrutura física também) e que era para eu ir lá. Falei que nem teria coragem de pedir passagem pra passar uma tarde lá e ela disse que a empresa incentivava essas viagens para integração. E que poderia até passar uns dias trabalhando no escritório de lá. Não fui, mas ficou claro que a Backbase não via o custo dessas passagens como problemas, mas como uma solução para quem trabalhava longe.

Já vi vaga de emprego que tinha uma escala de remoto. Sete semanas à distância e uma presencial. Achei uma excelente solução. Assim podem ter funcionários no país inteiro, mas fazem reuniões periódicas que ajudam na integração.

Dei diversos exemplos de como se pode interagir mais pessoalmente, mas nem isso é necessário para que a empresa tenha uma cultura. Essa cultura que os CEOs culpam na hora de ser contra home office acaba sendo a integração entre os profissionais, que tem diversas maneiras de resolver, como listei aqui.

Na verdade, toda empresa tem uma cultura. Geralmente é algo orgânico (e não muito bom) diferente do que aparece no slide que o RH te mostra quando você é contratado.

A cultura de uma empresa depende muito mais de como ela funciona do que de discurso do CEO, esforço do RH e conversas de corredor. E isso depende muito menos de contato físico.

Quer fazer um happy hour com seu time espalhado pelo país? Manda um voucher de iFood pra cada e marca uma call das 16h às 18h sem pauta.

De 8h às 18h?

Outra coisa que eu acho que funciona muito bem é o trabalho ser assíncrono.

Cada um tem suas tarefas e prazos para entregar. Aí, se vira. Trabalha de manhã, à noite, passeia de bicicleta à tarde, se organiza como quiser, mas entrega. E, claro, esteja na frente do computador quando tiver reunião.

Para mim é a melhor solução. Ninguém tem que manter computador aberto para fingir que tá trabalhando no horário comercial.

Isso é excelente tanto para a qualidade de vida (levo e busco minha filha na escola e na natação) como para a produtividade.

E o híbrido?

O trabalho híbrido tem muitas das vantagens do remoto, mas tem algumas limitações. Você não vai poder ter gente em outra cidade, por exemplo.

Já liderei time onde a maior parte da equipe ficava em Brasília, comigo, mas tinha um em São Paulo. O que acabava fazendo com que qualquer reunião virasse uma call, para não deixar o outro de fora.

Híbrido ajuda a dar uma melhor qualidade de vida para funcionários de empresas que funcionam em uma cidade (ou até algumas), mas sem a capilaridade de ter colaboradores em qualquer lugar. É bom porque é menos tempo no escritório, mas ainda tem uma interação ao vido, que tem seu valor.

Eu acho muito melhor uma opção como aquela de sete semanas remotas e uma híbrida do que metade da semana no escritório e metade em casa.

Diminui a produtividade?

Muita gente acha que a produtividade cai em casa, mas, para mim, é o contrário. No trabalho presencial você tem hora para entrar e para sair. Se terminar mais rápido do que deveria, só vai ficar fazendo hora no escritório. Em casa, com horário livre, você pode fazer o que quiser quando termina a demanda.

Eu sou muito mais produtivo trabalhando de casa. Tanto por ter essas vantagens de fazer o que quiser quando terminar como até poder trabalhar quando é melhor para mim. Com minha filha em casa de manhã, eu posso ter mais dificuldade para entregar algo que precise de muita concentração. Posso deixar esse tipo de trabalho para depois que ela dormiu e aproveitar o tempo que tenho com ela.

Não tem pontos negativos?

Tem sim. Muita gente tem dificuldade de se adaptar. Precisa de mais gente em volta ou até mesmo sente falta de ter cobrança constante (como se isso não pudesse acontecer pelo WhatsApp). Mas a maioria desses problemas se resolve com o tempo e organização.

Até querer interagir com mais gente tem solução, pegando um cowork perto de casa, indo para um café, ou até levando seu laptop para trabalhar de baixo de uma árvore num parque.

Mas, para mim, o maior problema é o desenvolvimento de estagiário/júnior. Esses que ainda estão começando no mercado podem ter mais dificuldades por falta de uma companhia constante de alguém mais experiente. Mas também acho que isso tem solução. Até mesmo falar abertamente das dificuldades com o gestor e ir atrás de soluções, colaborando, fazendo cursos, existem opções.

E o que a empresa ganha com isso?

Eu sei que muitas nem vêm isso como uma vantagem, mas funcionário feliz rende mais e fica mais tempo na empresa. Não tem toda aquela rotatividade que faz perder produtividade, sempre recomeçando com um novo colaborador.

Existem até outras como redução de custos, mas que eu nem sei se acabam sendo tão relevantes como se fala.

Só que a flexibilidade de trabalho tanto quanto à presença como de horário é um grande atrativo para quem está “escolhendo” emprego. Profissionais mais experientes e com muito mercado acabam podendo se dar o luxo de escolher a vaga que mais interessa. Pode tanto ser uma que paga mais ou uma que tenha vantagens como essas. Além da empresa poder contratar gente de qualquer lugar.

Para mim, qualquer trabalho de escritório pode ser remoto. Mesmo quando a interação pessoal é importante, existem maneiras de resolver isso sem precisar que todo mundo esteja no mesmo espaço físico, todos os dias da semana, no mesmo horário.

Não só por eu gostar do modelo de trabalho, por questões pessoais, eu defendo. Realmente eu vejo MUITO mais vantagens em trabalhar remotamente do que 5 dias por semana num escritório de 8h às 18h.

  • Uma das melhores ferramentas de gestão de times, e até organização pessoal, é o Notion, que citei no texto. No início pode não parecer tão óbvio, mas é excelente e completamente personalizável. A opção gratuita já é excelente, mas até a paga é bem acessível. Se precisar de ajuda, desenvolvo projetos de gestão pelo Notion. Manda uma mensagem.

  • 15 dicas para melhorar a sua produtividade no home office.

  • Para saber mais sobre as melhores práticas para organizações totalmente remotas e como o modelo de "trabalho de qualquer lugar" pode transformar o futuro do trabalho, leia o artigo completo "Our Work-from-Anywhere Future" por Prithwiraj Choudhury (Harvard Business Review).