Em 11 de novembro de 2009, a Alibaba transformou uma piada universitária em um fenômeno global. O “Dia dos Solteiros” chinês, criado por jovens que queriam ironizar a própria solteirice, virou o maior evento de e-commerce do planeta, movimentando mais de US$ 140 bilhões em 2023, segundo a Alibaba Group.

O resto do mundo olhou e pensou: por que não fazemos o mesmo?

E assim, nasceram as promoções de datas gêmeas. 9/9, 10/10, 11/11, 12/12. Uma sequência quase hipnótica, fácil de lembrar e perfeita para o feed. A Shopee, a Shein e o Mercado Livre transformaram o calendário em uma planilha de descontos mensais.

O varejo embarcou na tendência global, mas esqueceu que o consumidor brasileiro já tem uma data marcada no inconsciente coletivo: o quinto dia útil do mês.

Quando copiar é esperto (e quando deixa de ser)

Copiar o que dá certo no mundo não é burrice. É eficiência. Afinal, se o modelo funciona lá fora, por que não aproveitar o embalo?

Mas o problema é quando a cópia vem sem tradução. Quando a marca adota um padrão global sem ajustar o sotaque, o humor, o bolso e o tempo do seu público. É como dublar um filme sem adaptar as piadas: o texto é o mesmo, mas ninguém ri.

No Brasil, o consumidor não compra porque é 11 de novembro. Ele compra porque o salário caiu, o boleto foi pago e a conta bancária respira.

As datas gêmeas não são ruins. Mas muitas delas não aproveitam o melhor momento de compra do CLT: O quinto dia útil do mês.

O feriado invisível do consumo

Segundo o IBGE, 72% dos brasileiros com emprego formal recebem o salário até o quinto dia útil do mês. Um levantamento do PicPay mostra que o volume de transferências e pagamentos sobe até 32% nos três primeiros dias úteis. E o Google Trends confirma: as buscas por “promoção”, “desconto” e “comprar agora” disparam entre o quarto e o sexto dia útil.

Ou seja, o Brasil já tem um feriado de consumo não oficial, que acontece doze vezes por ano e está impresso no comportamento coletivo. Todo mundo sabe quando ele chega. E todo mundo age diferente quando ele chega.

O quinto dia útil é, por natureza, uma data previsível, recorrente e fácil de lembrar. Exatamente o que as marcas procuram ao copiar o modelo das promoções mensais globais. Só que, nesse caso, o gatilho não vem do calendário chinês, mas do extrato bancário brasileiro.

O poder de localizar uma ideia

O 11/11 deu certo na China porque tinha alma local. Era uma provocação cultural: jovens solteiros celebrando sua independência em um país obcecado por casamentos. O evento só virou negócio porque antes virou símbolo.

Acabou sendo copiada pelo mundo até pelo alcance dos varejistas chineses, mas sem a mesma conexão.

Ideias globais funcionam melhor quando traduzidas, não copiadas. A Havaianas fez isso ao transformar chinelo em ícone de brasilidade. O Nubank fez isso ao dar cor e humor ao sistema bancário.

Essas marcas não negaram o modelo global. Elas o localizaram. E foi isso que transformou estratégia em cultura.

A hora de criar o nosso próprio ritual

Talvez o Brasil não precise de mais um 11/11. Talvez precise do Dia da Virada, do Saldo Novo, do Caiu na Conta ou simplesmente do 5º Dia. Datas que traduzam o que realmente move o consumidor daqui: O alívio de ver o dinheiro entrar e o desejo de gastá-lo antes que acabe.

Copiar o calendário global pode gerar venda, mas criar o seu próprio ritual gera pertencimento. E pertencimento é o que transforma uma promoção em tradição. Além de aproveitar o momento de bolso mais cheio do seu cliente.

Localizar é uma forma de inovar

A globalização ensinou a copiar o que dá certo. A cultura local ensina a fazer dar certo do seu jeito.

Toda marca tem duas escolhas: repetir o que funciona lá fora ou traduzir o que faz sentido aqui dentro. A primeira vende. A segunda cria história.

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