Todo mundo já ouviu o ditado: não existe almoço grátis. Mas e se eu te dissesse que, em Düsseldorf, existe futebol grátis, e ele está rendendo milhões? O Fortuna Düsseldorf, um clube da 2ª divisão alemã, decidiu virar o jogo e lançar uma estratégia de marketing que parece suicídio financeiro. Mas, na prática, pode mudar a lógica da indústria do futebol.

Fortuna für alle: O ingresso que não custa nada, e vale milhões

Em 2023, o clube lançou o programa “Fortuna für alle” (Fortuna para todos). A ideia era simples e ousada: oferecer ingressos gratuitos para alguns jogos em casa. Começaram com três jogos, depois ampliaram para quatro na temporada seguinte, e agora anunciaram cinco jogos grátis em 2025/26. A meta? Chegar a todos os jogos gratuitos até 2030.

O resultado foi imediato: o primeiro jogo gratuito recebeu mais de 120 mil pedidos de ingresso. Para um estádio que comporta pouco mais de 54 mil pessoas, foi a prova de que o “preço zero” tem valor infinito quando o assunto é paixão.

Transformando arquibancada em mídia

À primeira vista, pode parecer loucura: abrir mão da bilheteria, historicamente uma fonte importante de receita. Mas o Fortuna entendeu uma lógica que vai além do placar do caixa: um estádio cheio é mais valioso para os patrocinadores do que os milhões arrecadados em ingressos. Mesmo com menos jogos pagos, a receita de bilheteria subiu de €7,5 milhões em 2022/23 para €8,5 milhões em 2023/24. Os patrocínios cresceram em até 50% em um único ano, com marcas como Hewlett Packard Enterprise e Targobank garantindo a sustentabilidade do projeto. A base de associados saltou de 28 mil para 35 mil, recorde em 129 anos de clube, e o merchandising explodiu: em uma ação, mais de 2 mil camisas especiais se esgotaram em apenas 24 horas.

O segredo? Quando a arquibancada vibra lotada, a marca patrocinadora não aparece só em um outdoor, mas em cada frame transmitido, em cada selfie da torcida, em cada reportagem de TV. O estádio vira mídia espontânea e patrocinador paga caro por mídia viva.

Invertendo a lógica: Da cobrança para a comunidade

O futebol sempre foi pensado como venda de ingresso: torcida paga para assistir. O Fortuna inverteu essa lógica: patrocinador paga para a torcida estar presente. Em vez de enxergar o torcedor como consumidor final, o clube o transformou em protagonista. E, ao mesmo tempo, em multiplicador de valor para quem banca o espetáculo.

Como o torcedor garante seu ingresso

Para que o “grátis” não virasse confusão, o clube criou um sistema claro e democrático. Os ingressos são liberados em lotes digitais na plataforma oficial do Fortuna Düsseldorf. Sócios têm prioridade (o que deve aumentar o faturamento com novas adesões), mas qualquer torcedor pode se inscrever. Quando a demanda supera a oferta (o que acontece quase sempre), os lugares são distribuídos por sorteio online. Além disso, há limite de ingressos por pessoa para evitar revenda e garantir diversidade na arquibancada. Ou seja: não é bagunça, é estratégia. O ingresso pode ser gratuito, mas a experiência é tratada com o mesmo cuidado de quem cobra caro.

O que vem pela frente

Em 2025/26, cinco jogos já estão confirmados como gratuitos. A ambição é clara: fazer do futebol em Düsseldorf o primeiro projeto de “estádio aberto” da Europa. Ainda há desafios, como a necessidade de mais empresas locais se engajarem no patrocínio, mas o modelo já provou que é sustentável e, melhor ainda, escalável.

O que empresários e clubes podem aprender?

A lição do Fortuna Düsseldorf não é só para o futebol. É para qualquer negócio que lida com comunidade, mídia e experiência. Estádio cheio é mais valioso que ingresso vendido. Experiência coletiva pode ser monetizada por quem busca visibilidade. E a lógica do “dar” pode render mais do que a lógica do “cobrar”. No fundo, o Fortuna mostrou que “gratuito” não é ausência de valor. É, muitas vezes, a forma mais inteligente de multiplicá-lo.

Fechando o círculo

Lá no início, parecia loucura: como um clube da 2ª divisão abre mão de milhões em bilheteria? Agora, parece genial: quanto mais gente entra de graça, mais dinheiro entra no caixa. Se futebol é paixão coletiva, por que insistimos em tratá-lo como produto individual? O Fortuna Düsseldorf nos lembra que, no jogo dos negócios, às vezes, a melhor jogada é inverter a lógica.

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