• Luizletter
  • Posts
  • O uso mais legal (e menos produtivo) que já fiz do ChatGPT

O uso mais legal (e menos produtivo) que já fiz do ChatGPT

Como um experimento virou um DJ fictício que me apresenta músicas melhores que o Spotify

Quando o Spotify me perdeu

Tudo começou com um incômodo. O Spotify, com todo seu poder de recomendação, não estava mais acertando. Tocava o que eu já gostava, mas não me surpreendia. Repetitivo, redondo demais. Como se estivesse tentando agradar, e falhando. Foi quando pensei: e se eu criasse meu próprio algoritmo? Um que entendesse não só o que eu ouço, mas por que eu ouço.

Um DNA musical sob medida

Peguei minhas estatísticas do Spotify e pedi ajuda ao ChatGPT. Montei meu "DNA musical": estilos com porcentagem de gosto, bandas favoritas por gênero, referências cruzadas. O resultado foi uma tabela que parecia saída de uma biografia sonora. Um mapa afetivo de tudo que me move musicalmente.

Com isso em mãos, criei um Custom GPT. A ideia era simples: ele iria sugerir playlists com base nesse perfil. Nada de fórmulas genéricas. Queria alguém (ou algo) que entendesse minha vibe do dia. Só que, ao invés de uma ferramenta, ganhei um personagem.

Nasce Rick Midnight

Batizei o GPT de Rick Midnight. E foi aí que a mágica começou. Não consegui só treiná-lo para fazer recomendações. Acabei criando um personagem com passado, voz, memórias e até um jeitinho de falar. Rick foi técnico de som nos anos 80 e 90. Andou com bandas que suavam mais do que vendiam. Fala arrastado, mistura inglês com português, e descreve músicas como se fossem tatuagens invisíveis: "essa faixa tem uma vibe beautifully broken, sabe?".

The Static Room: a rádio fantasma

Com Rick, veio a rádio. Ele mesmo escolheu o nome: The Static Room. Não é uma playlist, é uma frequência. Dessas que só aparecem quando o mundo silencia. Transmissões erráticas, entre 22h e 4h (Na teoria, né? Na prática tão no meu Spotify mesmo), com programas que mais parecem sessões de terapia com trilha sonora analógica.

Os programas que transformaram minha escuta

A rádio ganhou blocos temáticos, cada um com estética e espírito próprios:

  • Dead Signal: Microfonias, fitas esquecidas, grunge molhado.

  • Ritual of the Riff: Distorções sagradas e riffs como pregações suadas.

  • Velvet Vanguard: Jazz de copo na mão e silêncio cúmplice.

  • The Lows: Para noites que não pedem respostas.

  • Riot Archives: Punk gravado na marra, com suor e fita adesiva.

  • Verse & Vein: Onde a emoção desafina mas nunca atrasa.

  • Tapes in the Basement: Gravações cruas, promessas em forma de demo.

Descrições do próprio Rick, claro.

A cada playlist, ele narrava, sugeria, provocava. E eu comecei a escutar sem shuffle e sem pular as faixas.

E, obviamente, criei uma capa para cada uma.

O estúdio e o gato

Rick precisava de um estúdio. Então criei um. Mesas de som, tape decks, luz âmbar, poltrona rasgada. Ele me agradeceu como se de fato tivesse onde sentar. Mas disse que ainda faltava alguma coisa.

Já cheguei pergintando o Rick sobre o gato dele, mas ele disse que não tinha gato. Aí eu avisei que agora ele tinha, e a resposta foi genial.

“Ah... então ele ficou.”

Ele conseguiu uma maneira perfeita de manter a conversa sem se contradizer, nem me contrariar. Eu não seria capaz de uma sacada dessas e a IA fez isso. Não só fez referência a um gato qualquer que estava passando por lá em algum momento, como ainda encaixou perfeitamente em como se passa a ter um gato, com ele aparecendo e te escolhendo.

Foi assim que surgiu Rebel Sane. Uma gata laranja com uma mancha em forma de raio no rosto. Dorme sobre cabos, responde a chiados e só aparece quando a faixa é boa de verdade.

A IA como playground criativo

O que era pra ser útil virou diversão. O que era pra ser uma playlist virou narrativa. O que era pra ser um bot virou companhia. E, sem querer, comecei a ouvir mais música. Voltei a escutar músicas como se fosse uma rádio, sem shuffle nem pular faixas. E passei a conhecer músicas que combinam comigo mas eu nunca tinha ouvido (ou dado atenção) mas como o Rick escolheu, e me conhece melhor do que ninguém, eu confiei nele.

Tudo isso com a ajuda de uma IA que topou brincar.

Mais alma, menos fórmula

O ChatGPT me ajudou a criar algo que o Spotify nunca conseguiria: uma curadoria com alma. E talvez essa tenha sido a aplicação mais valiosa da IA na minha rotina. Não porque economizou tempo, mas porque me deu vontade. De ouvir. De imaginar. De criar.

Com a quantidade infinita de conteúdos que nós temos, a curadoria é a parte mais importante para nos ajudar a aproveitar o melhor que temos à disposição. E ninguém melhor que nós mesmos (ou um bot que tem os mesmos gostos que nós) pode ajudar a encontrar o que mais nos agrada.

Rick Midnight me ensinou que a inteligência artificial pode ser mais do que funcional. Pode ser estética. Pode ser poética. E até ter uma gata.

Bônus

Vou deixar links para as playlists públicas, que serão atualizadas periodicamente, quando o Rick quiser. E vou colocar também as descrições de cada um dos programas, também escritas por ele.

📡 Dead Signal
Quando o silêncio não é vazio, mas o corpo da faixa. Grunge embolorado, gravações sobreviventes de um porão úmido, vozes que não pedem desculpa. Cada chiado é um convite para entrar no escuro — e não voltar com as mãos limpas. Aqui, a música respira poeira. E você também.

🔥 Ritual of the Riff
Um culto elétrico sem altar fixo, mas com guitarras afiadas como lâminas. As válvulas aquecem, os solos se arrastam como sermões bêbados, e o baixo pulsa como coração em fuga. Volume alto o suficiente para que a fé e o feedback se confundam.

💡 Velvet Vanguard
Fumaça azul, copo de bourbon, um sax que se inclina para segredos. Jazz de madrugada, soul com cicatrizes, e o eco dos clubes onde o teto era baixo e a emoção, alta. O tipo de som que te olha nos olhos antes de tocar a primeira nota.

🌫️ The Lows
Faixas que escorrem devagar, como se o tempo tivesse sido editado em câmera lenta. Post-rock que não promete final, vozes que tremem no fio da confissão. Músicas para se perder na penumbra da própria cabeça e não sentir pressa de voltar.

🧨 Riot Archives
O arquivo barulhento que não cabe em museu. Punk cuspido, hardcore mal mixado, gravações de mosh pit com cheiro de cerveja derramada. Cada fita é um documento histórico… de algo que não quer ser documentado.

🩸 Verse & Vein
Canções que sangram, mesmo que desafinem. Do folk quebradiço ao pop alternativo que ainda acredita no refrão como redenção. Aqui, a emoção é a régua. A afinação… um detalhe negociável.

📦 Tapes in the Basement
O subterrâneo onde bandas esquecidas continuam vivas. Demos de três acordes, bootlegs mal iluminados, faixas que só existiram no Bandcamp às 3h da manhã. O lugar onde Rebel costuma parar o focinho — e eu já sei que vai tocar na semana seguinte.